MULHER COM PÉS DESCALÇOS
Era uma vez uma menina criativa que andava descalça, pois era muito pobre. Um dia fez seus próprios sapatos com retalhos; simples, mas imaginados por ela mesma, os sapatos lhes davam uma grande força espiritual para tocar a vida.
A menina foi crescendo e pelas circunstâncias do mundo moderno e da realidade consensual, acabou conquistando um sapato da moda.
Na antiguidade os sapatos eram um sinal de autoridade – os governantes os possuíam, os escravos não. Até hoje, se aprende a avaliar o “status” e a capacidade de uma pessoa com base no fato dela estar bem-calçada ou não.
Os pés possibilitam nossa mobilidade, nossa liberdade e os sapatos como uma metáfora, representam a nossa base para defender estas possibilidades. Sendo assim, ter sapatos originais é ter convicção de nossa verdade essencial e ter meios para garantí-la com perspicácia, bom senso, cuidado e firmeza.
É por isso que os sapatos “feitos por nossas próprias mãos” nos dão uma felicidade tamanha. Mesmo que nossa vida expressiva seja ameaçada, se resgatarmos ou nos mantivermos fiéis a nossa alegria básica, estaremos com nossos pés a salvo.
É a alegria de conseguirmos colocar as palavras no papel de um jeito exato; de tirarmos as notas de uma música no nosso tom, de realizamos o passo “daquela” dança, logo de primeira. É quando a mulher descobre que está grávida quando é o que deseja; quando realiza algo que precisou de muita auto-superação. É quando cria, faz artes, luta, movimenta sua vida no agora. Esse é o estado natural e instintivo da mulher – da mulher selvagem.
Uma vida vibrante nos convida a sacrifícios, sim. Se quisermos uma faculdade temos que investir tempo e dinheiro e dedicarmos muita concentração. Se quisermos criar, precisamos sacrificar a superficialidade, alguma segurança e, com freqüência, o desejo de sermos apreciadas, para deixar vir à tona os insights mais fortes e as visões mais amplas. Essa é a conscientização que compõe a natureza essencial – a natureza selvagem.
Podemos ser gentis e até nos abrimos a grupos aos quais não pertencemos, mas sem nos esforçarmos demais; sem acreditarmos demais que contendo todos os impulsos e contrações da criatura selvagem, ficaremos felizes. Passar por damas educadas, recatadas, contidas e reprimidas é o tipo de atitude do ego, querendo integrar-se a todo custo. Aí em vez de uma mulher vital, temos uma mulher simpática, bem comportada, com boas intenções, mas nervosa e ofegante no anseio de ser boa – do tipo que destrói o vínculo com a mulher selvagem, pois foram arrancadas suas “garras”.
Se perdemos nossos sapatos originais; perdemos nossos pés – nossa vitalidade e a vida que projetamos para nós mesmas, pois adotamos uma vida excessivamente domesticada. Perdemos a plataforma sobre a qual ancoramos a nossa base – nossa natureza instintual que sustenta a nossa liberdade…