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AS CORES E AS RODAS DE UM QUILOMBO

Out 22 2005

AS CORES E AS RODAS DE UM QUILOMBO

O pôr-do-sol foi um presente espetacular de um amarelo, quase

laranja- dourado.Compondo com as verdes e transparentes águas do

Tocantins e fazendo um tom-sobre-tom com o verde da floresta ao redor,

anunciavam a beleza das cores daquele povo negro.

Foram instântaneos quarenta e cinco minutos que se passaram entre o

Município de Baião, a 109 Km de Belém – PA – Amazônia por via terrestre e o

povoado de Umarizal, na embarcação tipo voadeira.

Umarizal dos Pretos, como também é conhecido, é oriundo do antigo

quilombo do Paxibal, um dos maiores do Estado do Pará. Possui atualmente

uma população aproximada de 900 pessoas. Ali, nas entranhas da floresta e

das águas, eles guardam memórias de seus antepassados africanos, muitas

quase completamente esquecidas ou inexploradas como a memória corporal

e musical, que sobrevivem porque estão impregnadas na alma ou graças à

tradição oral – a grande guardiã da riqueza cultural amazônica.

Crianças, jovens e mais velhos, puderam durante oito dias,

dançar juntos no círculo. Uma experiência que mobilizou o encontro das

gerações em torno do Samba de Cacete – dança, canto e

batuque tradicionais, relacionados ao ritual do plantio da mandioca; Uma

verdadeira saudação ao trabalho, praticada nos velhos tempos, mas que hoje

já se encontra em risco de extinção.

Nas voltas que a roda dá, manisfestaram-se também os cantos,

brincadeiras e danças da infância dos *zitos e especialmente dos mais

velhos de Umarizal. Foi uma grande festa, com direito a Samba de Cacete

ao redor da fogueira, moças e rapazes cantando e dançando; os sábios e

experientes mais velhos tocando o tambouro; e os pequenos, aos montes,

entrando na roda sempre que tinham chance.

Elas – as moças, com as saias floridas “volta ao mundo” – cedidas

carinhosamente pelas mulheres que seguram o foco do Samba na

comunidade – pés no chão, graciosas e alegremente fortes – praticamente

todas experientes na arte de fazer a farinha, eram o retrato da beleza

negra em seu esplendor. Eles, os rapazes * à modo que ficavam só na

retaguarda fazendo *mesuras ao redor, na tentativa de tê-las como

parceiras.

Tia Orminda, grande dançante do Samba de Cacete, com a força da

tradição oral trouxe à tona a magia das rodas da infância e os aromas

envolventes das ervas e raízes da Amazônia num banho de cheiro

inesquecível. Foi o fechamento deste ciclo de trocas de saberes, de afetos,

de ritmos e de danças com remanescentes quilombolas dançando em círculo

na praia formada pela maré vazante do Tocantins.Com as bençãos de Iara e

Oxalá!!

*à modo – parece que

*zitos ou zitito – pequenos ou pequeninos

*misuras – rodeios, gestos chamativos

Texto produzido após Oficina de Danças Circulares dos Povos de 18 a 25 de Outubro de 2005 na Comunidade Quilombola de Umarizal a convite da Fundação Curro Velho/PA

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