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NO SEIO DO GAMBÁ

Jul 12 2014

NO SEIO DO GAMBÁ

Vi voar

Borboleta

No jogo do Mar

(verso do Gambá de Maués/Am)

Se esta “borboleta” me permite enxergar belezas, sutilezas e agrados que fazem bem aos sentidos, à autoestima e identidade dos povos; e à cultura da paz, garanto que também as vi. Primeiro, “voando” por terra em quase 300 km de Manaus/M até o município de Itacoatiara, quatro horas de viagem; depois pelo “mar” – como os grande rios da Amazônia são reconhecidos pelo caboclo da região, durante cinco horas de lancha, são 250km navegados até Maués; e depois mais 45 minutos entre rios e florestas numa voadeira, para chegar na comunidade Araçatuba do Rio Limão…e enfim, encontrar mulheres, homens, crianças e sábios mestres do Gambá que cantam borboletas que voam no mar, cigarras que quando não cantam assoviam, namoros malcriados e outras tantas notícias alvissareiras da vida cotidiana, emitidas pela oralidade, acompanhada de instrumentos que têm ajudado a levar bem longe – guardadas as devidas e imensas dificuldades de se preservar uma cultura tradicional em qualquer canto desse planeta – acontecimentos que movem mundos que parecem estar além da cultura de massa, das imposições do mercado e do desenvolvimento tecnológico.

São meios de comunicação, que verdadeiramente desafiam as capacidades, os talentos e os dons das pessoas, para viverem em pleno século 21, tão dentro e tão fora de uma realidade excludente e que tende a coisificar a vida. E quando acessamos e utilizamos esses meios, temos a esperança, melhor ainda, temos a confiança de que estamos na gênese da criação de um novo mundo e que podemos fazer parte disso.

A vida dos povos e das pessoas que carregam e sustentam as tradições culturais é real e concretamente intensa; são capazes de feitos verdadeiramente extraordinários para viver, se considerarmos as circunstâncias que se tornaram tão adversas e contraditórias, apesar de serem os guardiões dessa região abundante em riquezas materiais e imateriais.

Quando observamos o processo civilizatório e a evolução das condições sociais, territoriais, econômicas e políticas acontecerem, ainda que a passos de tartaruga, entre essas populações, nos deparamos com o sentimento de conquista e de perda, de abundância e de medo da escassez; de criatividade à flor da pele e de timidez em expressá-la. Mas parece que é justamente nessa dinâmica contraditória que é possível construir redes confiáveis e transformadoras entre o passado, o presente e o futuro, na medida em que cada um e cada uma de nós for capaz de sintonizar com os canais que conectam memórias com práticas no agora; crenças com atitudes; discurso com serviço.

Vejamos, o Gambá é um mamífero marsupial também conhecido como Mucura na Amazônia; mas no estado do Amazonas, também está associado a uma tradição cultural afro-indígena e música tida como de origem jesuítica, praticada entre ribeirinhos, quilombolas e indígenas (Sateré-Mawê), cada qual com seu sotaque. E a palavra “Gambá” é de matriz tupi, significando “seio oco”, uma referência ao marsúpio onde as fêmeas criam seu filhotes, logo faz sentido, o tambor da tradição do Amazonas se chamar Gambá já que é feito do tronco oco de uma árvore e junto com outros dois instrumentos, o tamborinho e o caracaxá vem alimentando em seu “seio” gerações inteiras desde o fim dos anos 40, segundo o Mestre Iracito (José Carlos Cardoso), herdeiro da tradição na comunidade N.Sra. Aparecida do Pedreiro do Rio Urupadi. O Gambá vem alimentando seus filhos e filhas de poesia, alegria de viver, aprendizado da parceria por meio da dança e capacidade de improvisar sempre que a situação pede. Isso é Gambá! ritmo, música, dança e cantos enversados de improviso, que praticados não só para preservar uma cultura pelo bem da história e da memória, mas também para alimentar e exercitar nossas múltiplas inteligências de corpo e alma, inclui dimensão pessoal nas mudanças que queremos.

A prática dessas linguagens da tradição funciona como uma espécie de serviço colaborativo com a preservação cultural e com a estruturação de novas bases de relacionamento e de desenvolvimento pedagógico das sociedades em relação a seus povos formadores. Nas rodas de danças tradicionais, podemos perceber que temos uma fonte que nos une ao todo, sem fronteiras territoriais, mas também temos um jeito único de dançar – de ser, de olhar, de estar no mundo criativamente. As memórias ancestrais que estão impregnadas desde as nossas céluas, podem trazer a nossa consciência informações novas ou renonavadas de nós mesmos e do mundo, possibilidades diferentes de viver, caminhos ainda não percorridos, vôos inusitados de borboletas…

Aprendemos que não precisamos nos esforçar em parecer ser quem não somos, ou nos preocuparmos com aqueles que não pensam como nós; que existem muito mais notícias que ainda não foram não veiculadas nos meios convencionais de comunicação. Aceitamos a alegria de ser um novo humano em meio a tanta mediocridade das capacidades humanas; somos receptivos à vida autêntica, porque nos reconectamos com nossas raízes, com o que é essencial para nós, podemos estar na natureza e ser naturais, de um “Jeito Tucujú” como dizem os poetas Joãozinho Gomes e Val Milhomem sobre o povo amazônida, mas leia-se povos do planeta Terra.

“Quem nunca viu o amazonas / Nunca irá entender a vida de um povo / De alma e cor brasileiras / Suas conquistas ribeiras/ Seu ritmo novo / Quem avistar o amazonas nesse momento/ E souber transbordar de tanto amor / Esse terá entendido o jeito de ser do povo daqui”

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