
DONA MAROCA E SÃO SEBASTIÃO
Sabe aqueles lugares aonde a gente chega e logo na porta, nos sentimos de fato, convidados a entrar? São aqueles ambientes que cheiram alegria; aquecem que nem colo de mãe e protegem como na presença do pai. É assim mesmo a casa, melhor dizendo, o lar de Dona Maroca, 91 aninhos fresquinhos, completos agorinha, para a tranquilidade do maridão de 92, o seu Domingos, dos 13 filhos e nem sei de quantos netos, bisnetos; e amigos íntimos.
Está certo que neste 05 de Maio, no aniversário dessa forte Taurina , que trouxe ao mundo muitas vidas pela sagrada missão de ajudar outras mulheres a parirem ;de poucas falas, mas de olhar profundo e atencioso, havia uma razão a mais para nos sentirmos assim tão estimuladas a entrar nesta roda em homenagem a Dona Maroca sob as bênçãos de São Sebastião, o santo guerreiro, padroeiro do povo marajoara. Isto porque, há 13 anos por uma feliz idéia da Irmandade dos Devotos do Glorioso São Sebastião, o santo sai de Cachoeira do Arari/PA, para reunir os devotos da capital paraense, através de peregrinações durante todo o mês de Maio. Depois, no mês de Junho, volta para descansar seus fiéis foliões e em Julho sai novamente em peregrinação e esmolação pelos campos da Ilha do Marajó, durante 6 meses ininterruptos até 10 de Janeiro, quando acontece a Festividade de São Sebastião até o dia 20 no município de Cachoeira do Arari – Ilha do Marajó.
Dona Maroca, nos recorda o verdadeiro sentido de uma festa, que originalmente , acontecia para celebrar, honrar, agradecer e reunir familiares e pessoas para se conhecerem. Fico ali observando que veículo de comunicação transformador são festas como esta. Entramos em sintonia com a força vital, com o arquétipo do guerreiro na presença da imagem de São Sebastião e todo um ritual que vem sendo transmitido há gerações pela tradição oral – músicas, ladainha cantada em uma espécie de latim caboclo; testemunhos de milagres, no sentido original da palavra que vem do latim miraculum, do verbo minare – maravilhar-se diante de um acontecimento dito extraordinário; ao final, depois que alma está apaziguada e satisfeita, uma bela mesa para nutrir e fortalecer o corpo literalmente pelas raízes, com uma das comidas típicas dos marajoara, o “frito do vaqueiro”, a maniçoba feita à base da folha da mandioca, raiz que alimenta o povo brasileiro com toda “sustança” que precisa , um indispensável suco de cupuaçu e outras iguarias mais para garantir a comunhão de todos os gostos e sabores.
Uma vivência que parece estar a serviço, simplesmente da cultura da paz, do cultivo de valores éticos, do desenvolvimento humano de forma criativa. Quando participamos de um ritual desses, conectados com a intenção de compartilhar também nossos dons e recursos sejam físicos, materiais ou espirituais, certamente nos alinharmos com a força criativa da vida e saímos no mínimo inspirados a fazer a nossa parte pela paz dentro e fora de nós.
São Sebastião pode nos revelar pelas presenças de Dona Maroca, de Seu Raimundo e a narrativa de suas histórias de vida, que todos temos alguma “Maroca” ou “Raimundo” por perto, independentemente da idade – avós, pais, tios, padrinhos e amigos mais velhos, mas quase não os reconhecemos e nem entendemos a importância deles na nossa jornada evolutiva. Na medida em vamos ficando adultos e autônomos, também vamos restringindo o diálogo com eles, a convivência e a troca, buscando-os ainda quando geralmente achamos que eles ainda podem atender a nossas necessidades imediatas.
Assim fazemos com as pessoas, com os saberes, com as culturas; separamos o novo do velho, o passado do presente e do futuro, os nascimentos das mortes, a realidade das imagens. É como se este movimento de exclusão, nos ajudassem a excluir também a transitoriedade da vida, pois algo em nós quer garantir a permanência na vida, mas uma vida apenas de juventude, de beleza, de saúde. Não é por acaso que os meios de comunicação de massa, estimulam o consumo reforçando justamente essa crença, essas imagens.
Mas afinal, o que estamos comprando uma imagem ou uma verdade? Como seria se aproveitássemos esta era digital na qual temos tantas tecnologias à disposição, para observarmos melhor essas relações a partir de nosso próprio movimento com relação a elas? O que consumimos mediados pelas imagens? O que queremos registrar com nossos “clics” digitais? O que queremos guardar na memória? qual memória? E sobretudo para quê ou para quem queremos mostrar?
Fazer essa investigação pode ser uma experiência surpreendente, talvez nos levar a lugares inusitados e imagens reveladoras como a “casa” onde habitam nossas “Marocas” , “Raimundos” e “devoções”. Podemos descobrir que assim como é na nossa vida cotidiana é também em nossa vida simbólica. E se tivermos vontade de ir mais longe, verificaremos que alterando uma afetamos a outra, e assim nos tornamos capazes de transformar nossas realidades. No exercício dialógico e comunicativo com essas imagens, reeducamos nosso olhar, ampliamos a perspectiva, e conquistamos novas visões, porque as imagens deixam de ser percebidas isoladamente e passam a ser um mosaico, um caleidoscópio que dança conforme a música que tocamos, o canto que entoamos para nos divertir e alegrar, mas também para realizar milagres, os muitos miraculum…que esperam para se manifestar em nossas vidas. E pra quem quiser começar essa jornada com a ajuda do glorioso guerreiro São Sebastião, aproveite, porque os marajoara garantem que ele não brinca em serviço.
Aqui no blog da Irmandade, está a agenda e os locais da peregrinação: http://irmandadesaosebastiao.blogspot.com.br/2014/04/agenda-de-visitas-do-santo2014.html