
AS CORES E AS RODAS DE UM QUILOMBO
O pôr-do-sol foi um presente espetacular de um amarelo, quase
laranja- dourado.Compondo com as verdes e transparentes águas do
Tocantins e fazendo um tom-sobre-tom com o verde da floresta ao redor,
anunciavam a beleza das cores daquele povo negro.
Foram instântaneos quarenta e cinco minutos que se passaram entre o
Município de Baião, a 109 Km de Belém – PA – Amazônia por via terrestre e o
povoado de Umarizal, na embarcação tipo voadeira.
Umarizal dos Pretos, como também é conhecido, é oriundo do antigo
quilombo do Paxibal, um dos maiores do Estado do Pará. Possui atualmente
uma população aproximada de 900 pessoas. Ali, nas entranhas da floresta e
das águas, eles guardam memórias de seus antepassados africanos, muitas
quase completamente esquecidas ou inexploradas como a memória corporal
e musical, que sobrevivem porque estão impregnadas na alma ou graças à
tradição oral – a grande guardiã da riqueza cultural amazônica.
Crianças, jovens e mais velhos, puderam durante oito dias,
dançar juntos no círculo. Uma experiência que mobilizou o encontro das
gerações em torno do Samba de Cacete – dança, canto e
batuque tradicionais, relacionados ao ritual do plantio da mandioca; Uma
verdadeira saudação ao trabalho, praticada nos velhos tempos, mas que hoje
já se encontra em risco de extinção.
Nas voltas que a roda dá, manisfestaram-se também os cantos,
brincadeiras e danças da infância dos *zitos e especialmente dos mais
velhos de Umarizal. Foi uma grande festa, com direito a Samba de Cacete
ao redor da fogueira, moças e rapazes cantando e dançando; os sábios e
experientes mais velhos tocando o tambouro; e os pequenos, aos montes,
entrando na roda sempre que tinham chance.
Elas – as moças, com as saias floridas “volta ao mundo” – cedidas
carinhosamente pelas mulheres que seguram o foco do Samba na
comunidade – pés no chão, graciosas e alegremente fortes – praticamente
todas experientes na arte de fazer a farinha, eram o retrato da beleza
negra em seu esplendor. Eles, os rapazes * à modo que ficavam só na
retaguarda fazendo *mesuras ao redor, na tentativa de tê-las como
parceiras.
Tia Orminda, grande dançante do Samba de Cacete, com a força da
tradição oral trouxe à tona a magia das rodas da infância e os aromas
envolventes das ervas e raízes da Amazônia num banho de cheiro
inesquecível. Foi o fechamento deste ciclo de trocas de saberes, de afetos,
de ritmos e de danças com remanescentes quilombolas dançando em círculo
na praia formada pela maré vazante do Tocantins.Com as bençãos de Iara e
Oxalá!!
*à modo – parece que
*zitos ou zitito – pequenos ou pequeninos
*misuras – rodeios, gestos chamativos
Texto produzido após Oficina de Danças Circulares dos Povos de 18 a 25 de Outubro de 2005 na Comunidade Quilombola de Umarizal a convite da Fundação Curro Velho/PA