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O CÁLICE SAGRADO DE JOAQUINA JURUNA

Joaquina Juruna
Jan 15 2021

O CÁLICE SAGRADO DE JOAQUINA JURUNA

Na Páscoa, recebi essa imagem de presente. Um dos filhos de uma das sábias, Joaquina Juruna, que me guiaram tantos anos, pela sabedoria do seu povo. Valdecir mergulhava fundo nas águas da Volta Grande do Rio Xingu/PA, quando se deparou com esta peça de barro. Incrivelmente, a cerca de cinco metros de profundidade, a peça foi resgatada inteirinha. Joaquina contava que este filho, tem um “atrativo” para encontrar essas coisas, no fundo das águas. 

O filho presenteou a mãe com a peça, que seguia firme e forte, sob sua guarda, até ontem, quando subitamente, aos 72, Joaquina fez sua passagem para o outro lado do véu, após uma parada cardíaca. Ela era irmã da Olinda Juruna, a quem conheci primeiro; as duas presentes no lançamento do meu primeiro livro em 2015; um ano depois Olinda partiu. 

Hoje, senti que precisava escrever sobre este achado nas águas do Xingu; nunca sei o que será escrito, quando recebo esse tipo de orientação, até sentar e começar a escrever. Eis que recebo a notícia de sua passagem; um susto e um desconcerto; respiro para me realinhar e entender.

Quando ela recebeu a peça, logo me enviou a imagem e depois por meio de vídeo chamada, com a ajuda dos filhos, me dizia que deveria ser uma peça do ritual do Caxiri, uma bebida sagrada, fermentada a partir da mandioca. 

Agora, faz tanto sentido, porque só hoje fui orientada a escrever. A peça vem à tona justo na Páscoa = passagem para uma vida nova; justo neste momento planetário de mudança de paradigmas; justo pelas mãos de nossa ancestralidade; justo um cálice; justo 10 dias depois ela faz sua passagem. 1 = novos começos!

Joaquina sugeriu que esta peça deve ter cerca de 60 anos, usada em rituais do Caxiri, especialmente em festas de casamento; contou e contava tão lindamente as histórias de seu povo, que por exemplo, após tomar o Caxiri, o rapaz que pegasse na mão de uma moça, era para casar.

Agora Joaquina volta para as estrelas, mas deixa seu cálice sagrado, para reaprendermos a beber na fonte da sabedoria; lá onde estão todas as informações sobre quem realmente somos e para que viemos. A fonte onde até a nova Ciência está bebendo para validar as mais recentes descobertas sobre o DNA humano e podermos fazer a passagem para uma vida nova, ainda do lado de cá. 

Joaquina nunca me falou que tinha problemas cardíacos; nunca se comportou como alguém doente ou que não tem mais nada a aprender, aos 71 anos de idade. A um simples estímulo para aprender algo novo, ela imediatamente reagia, mesmo sem entender muito do que se tratava. Ainda usava seu pequenino telefone analógico, porque disse que não sabia mexer com “esses grandes”…”ah minha filha esse papagaio velho aqui, não aprende mais a falar coisa nova não”. Imagina, disse-lhe, “se existe um papagaio esperto é esse aí dentro da senhora, vamos mudar este programa”? propus e ela prontamente repetiu comigo: “estou viva e sempre pronta a aprender algo novo”. Na semana seguinte, ela me ligou para dar o número de seu “telefone grande”, presente recebido dos filhos e pude revê-la, cantar e falar de projetos futuros. 

Ela não poderia ter partido, sem antes nos deixar mais uma linda e profunda história. Eu queria saber como foi o resgate da peça pelo próprio filho e ela me ligou, “olha hoje é a última chance de conversares com o rapaz, porque amanhã ele já vai de novo, pra Volta Grande e não sei quando vem”. 

Foi no domingo de Páscoa, deitada na rede, a última vez que ela me contou suas histórias, para sempre sagradas.

Gratidão irmã estelar, seguirei a luz das irmãs Juruna!!

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