Buscar

O CHAMADO DAS ÁRVORES

Ago 01 2011

O CHAMADO DAS ÁRVORES

 Árvore da Vida para a civilização Maia, a Samaumeira (Ceiba Pentranda) é a maior das florestas tropicais e uma das maiores do planeta.

Mãe da Floresta, Mãe dos Rios, Escada para o Céu, a Samaumeira com seus dons divinos é reconhecida pelos povos tradicionais como o princípio da criação da natureza, a fonte da vida.

Suas raízes, as “sapopemas”, são reconhecidas como um dos meios de comunicação mais antigos; batendo com pequenos  pedaços de pau, o som ecoa a  quilômetros de distância, avisando se alguém está chegando, perdido ou em perigo; e traz informações do universo por meio de suas gigantescas copas.

O exemplar da foto tem aproximadamente 400 anos e está na Ilha do Combú, em frente a cidade de Belém/PA, às margens do Rio Guamá. Um olhar mais subjetivo e tem-se a impressão de ver um Pajé a proteger a floresta e todos os seres, com braços abertos e na cabeça um cocar. Percebe?

“Não podemos visualizar um mundo sem o retorno das florestas. Enquanto o sol brilhar, e a vida depender da água, o trabalho   das árvores será fundamental”.

Do livro O Chamado das árvores, Dorothy Maclean

Déa S Melo

Entrevista Carlos Solano

Agosto/2011

O chamado vem das árvores e a voz encontra eco na Amazônia. Justo aqui onde elas se reúnem formando a maior biodiversidade do planeta; onde ambiente e culturas consagram um casamento indissolúvel, porém cada vez mais vulnerável.

A ancestralidade brasileira, assim como a mitologia e o lendário. na Amazônia continuam vivos e quando o assunto é natureza, preservação e sustentabilidade, os povos merecem um cuidado  especial. Afinal, natureza e cultura dos povos nascem das mesmas raízes que sustentam os ecossistemas.

 Raízes que se traduzem em linguagens artísticas/humanas. Uma delas, as Danças Tradicionais deram origem ao movimento das Danças Circulares Sagradas, iniciado no Centro de Formação Transdisciplinar na Escócia/Reino Unido – Findhorn, há cerca de três décadas, pelo bailarino Bernhard Wosien. Findhorn, recebe pessoas do mundo inteiro  para residência e estudos transdisciplinares diversos, dentre os quais, as Danças Sagradas.

Uma dessas pessoas, o mineiro Carlos Solano, foi o primeiro brasileiro a fazer um treinamento  em Findhorn em 1984 e ensinou e divulgou as danças circulares no Brasil até 2002. Arquiteto, atuando pela harmonia dos ambientes, Solano e um grupo de amigos, vem incentivando uma campanha pelo plantio de um milhão de árvores, desde 2007 e este ano  retoma o caminho  das danças para convocar o público dançante pelo mundo afora, sobretudo no Brasil, a tomar atitudes mais concretas pelo meio ambiente.

Qual é esse “Chamado das Árvores”?

Solano : O Chamado das Árvores está dentro de uma campanha para plantarmos um milhão de Árvores. Uma iniciativa civil, sem patrocinadores, alimentada pelas ações que temos desenvolvido desde 2007, quando iniciamos por meio de uma revista de circulação nacional, onde eu tinha uma coluna fixa .

Fizemos um site sobre a importância das árvores, plantio e cuidado com o ambiente. A idéia era que as pessoas plantassem as árvores e inserissem o número de árvores plantadas no contador do site e relatando a experiência, se quisessem.

É uma campanha de idéias, valorizando o ambiente para que cada pessoa faça alguma coisa. Queremos que as pessoas plantem  as árvores, tomem uma atitude; por mínima que seja, já faz uma diferença no contexto coletivo.

Então, começamos a produzir eventos anuais. No  primeiro, em 2008, trouxemos ao Brasil, Dorothy Maclean, que é uma das fundadoras de Findhorn, e havia lançado um livro nos EUA – “O Chamado das Árvores”. Foi um grande evento com palestras, workshops sobre a inteligência da natureza em quatro capitais,  e o livro traduzido para o português.

Por quê as danças circulares sagradas para incentivar essa campanha?

Solano: Na primeira vez que fui à Findhorn, fiz a “Semana de experiência”  com um grupo de aproximadamente cinquenta pessoas de várias partes do mundo, continentes, idades e profissões diferentes. Ninguém se conhecia, as pessoas meio sem jeito, cada um no seu canto. Então, chegou um focalizador de danças circulares e convidou o grupo a participar de uma sessão. Ao  terminar, o grupo estava completamente transformado, se abraçando, conversando como se todos fossem velhos conhecidos e eu fiquei  impressionado e encantado. Uma coleção de pessoas se tornou um grupo numa única sessão de Danças Circulares.

Apesar de estar afastado das danças, ano passado me ocorreu que esse também poderia ser um recurso; mobilizar essa grande rede que se espalha pelo Brasil inteiro e pelo mundo e tem uma forte energia de ação, para atuar a favor das árvores e da vida neste momento em que o planeta está numa situação limite.

Como está a campanha atualmente?

Solano:  Muito bem, mais de 400.000 árvores plantadas e cadastradas no site… O nosso próximo evento, pelo Chamado das Árvores 2011, será o “Dançando pelas  árvores”. Na primeira quinzena de Outubro, viajaremos para algumas capitais brasileiras com o escritor indígena Kaka Werá e com a professora alemã Maria-Gabriele Wosien, PhD., mestra de danças sagradas e filha de Bernhard Wosien, o criador do trabalho. Neste período, esperamos que o máximo possível de grupos se reúnam, para dançar e celebrar a vida, as árvores, o planeta Terra e possam se conscientizar  dessa necessidade, para o momento atual.

Teremos danças circulares, pequenas palestras e projeção de filmes curtos. Queremos atingir um público grande e heterogêneo de forma leve e alegre e que essa corrente cresça em outros Estados e países.

Quem quiser participar à distância, em sua cidade, pode distribuir mudas, plantar, reunir para dançar, fazer uma palestra, uma apresentação de música, de poesia, atividades na escola, nas organizações públicas e privadas, uma meditação, um ritual pelas árvores e tantas outras possibilidades… Não importa o número de pessoas presentes e, se  não puder reunir ninguém,  pode-se sentar sozinho e se coligar energeticamente com esse trabalho, lendo sobre o assunto, rezando, criando um projeto. Alguma coisa pode e precisa ser feita, pois a maioria das pessoas não está consciente da delicadeza do momento que estamos vivendo, inclusive as pessoas dançantes. A Terra chegou ao limite e, segundo o parecer de 1600 renomados cientistas (World Scientists Warning to Humanity, 1992), a Terra está em “uma rota de colisão”.

 Quais os princípios que norteiam o incentivo ao plantio dessas árvores?

Solano – o fundamental é estimular a consciência do cuidado. Escolhemos o cuidado com o ambiente porque é nossa casa maior. Podemos mudar de endereço, mas não de planeta, que é uma das nossas várias casas. Temos o corpo, a morada, a cidade, o planeta, a mais importante porque inclusive nosso corpo depende desta casa.

O planeta está à beira de um colapso; a situação climática que foi disparada tem repercussões ainda inimagináveis, pois só está no início de um processo de mudança, uma situação fora do comum e bastante grave. É preciso que cada um faça a sua parte e colabore para minimizar esses efeitos. Se uma pessoa plantar uma árvore, já está fazendo alguma coisa e a partir daí, pode ser que se sinta motivada a fazer uma segunda coisa, uma terceira e assim uma mudança vai sendo  disseminada.

A Dorothy Maclean alerta dizendo que as árvores são a pele da Terra e que nenhum organismo sobrevive sem a sua pele; qualquer animal ou ser humano que tiver um percentual de pele retirado por algum tipo de acidente perece, morre. O mesmo vai acontecer com o planeta se sua pele for retirada e isso está acontecendo num ritmo muitíssimo rápido.

O outro aspecto, mais energético é que as árvores fazem a transmutação de toda a carga psíquica pesada que é lançada diariamente no planeta pelo ser humano – todas as guerras, misérias e aflições que criamos, precisam ser transmutadas e as grandes árvores fazem esse trabalho. Se  desaparecerem, o ser humano volta à barbárie, pois a atmosfera psíquica  do planeta vai ficar carregada demais.

E tem o que a gente já conhece pela ciência, da relação das árvores com a dinâmica das águas, com as chuvas, o solo, etc.

Como a agenda das Danças Circulares, pode abraçar essa causa mais concretamente social, cultural e ambientalmente?

Solano: As Danças Circulares têm uma rede bem abrangente e não estamos mais naquela época em que o Bernhard Wosien iniciou esse movimento e se dançava às vezes simplesmente para celebrar, pela satisfação pessoal e grupal. Isso ainda é válido, mas vivemos outra realidade. Quando estava em Findhorn, a Sara Marriott, minha anfitriã, escritora e clarividente com uma compreensão espiritual muitíssimo ampla, me contou uma experiência que teve observando uma sessão de Danças Circulares. Com uma idade já avançada, ela não participava das danças, mas assistia de vez em quando.  Numa dessas ocasiões, visualizou uma grande luz  que vinha descendo do Céu para abençoar a Terra, através daquele grupo. Este recurso bastante real – a abertura de um canal entre Céu e Terra por meio de um grupo de Danças Circulares, poderia ser utilizado conscientemente a favor da vida. Essa grande rede nacional – universal de danças circulares sagradas, pode e deve se engajar profundamente nas causas sócio-culturais-ambientais  que a todos nos afetam.

Neste sentido de que forma a campanha abraça as pessoas – os povos tradicionais e originários que são de fato, os verdadeiros guardiões da fauna, da flora – da biodiversidade?

Solano: Neste evento o Kaka Werá representa justamente os povos tradicionais, os guardiões da floresta e dos conhecimentos tradicionais.

Tem muita coisa para ser feita, mas o público das danças não está acostumado a fazer isso. Esse é o convite, unir forças em um momento decisivo (repito: decisivo) da história do mundo.

Se as danças circulares são uma pedagogia transformadora, como  arteducadores nas comunidades tradicionais e populares urbanas podem  ser formados se os custos dos cursos e treinamentos de um modo geral são excludentes?

Solano: Acho que isso depende da boa vontade dos professores e grupos de danças. Nesse evento, nossa intenção é conseguir patrocínio para abrir o acesso, mas não podíamos esperar para começar a divulgar, então o transformamos em Workshops que pudessem se autogerir, justamente porque os custos são muito altos. Precisamos aprender a pensar e realizar por meio de projetos; é o caminho, para que essas ações se tornem acessíveis..

O Brasil possui a maior biodiversidade planetária na Amazônia, isto é ambiente e culturas. Como vês o país, assumindo um centro irradiador para proteção dessa riqueza, por meio das  Danças Circulares, inclusive ajudando a dissolver fronteiras e preconceitos que persistem entre Norte e Sul do Brasil, entre América Latina e Europa?

Solano: Existem muitas possibilidades além do trabalho voluntário de boa vontade e a realização de projetos para captação de recursos. Isso leva tempo, mas é preciso disponibilizar as danças para as causas humanitárias. A questão é fazer essa consciência se espalhar no movimento.

Nessa perspectiva, como os meios de comunicação podem ser acionados, sobretudo a internet, utilizada amplamente pelo movimento das Danças Circulares, para divulgar workshops, oficinas, vivencias e eventos de um modo geral, que  por sua vez pouco abraçam a cultura brasileira e suas matrizes indígena e africana?

Solano: Concordo com você. A gente ainda vive essa consciência do colonizado; o que é e o que vem de fora, sempre é mais valorizado desde  o Brasil colônia. Temos profissionais incríveis aqui, com um material cultural riquíssimo para ser conhecido e vivenciado. No meu trabalho como arquiteto também faço essa pesquisa, com as benzedeiras, raizeiros do interior de Minas e Goiás, mas é um universo desconhecido da maioria. A questão é ajudar a gerar e circular essas informações na rede de danças. A gente não ama aquilo que não conhece.

Temos a internet, os grandes e pequenos encontros no Brasil, que são espaços para tratar desse assunto mais pedagógica e profundamente.  Provocar mais leitura, análise, síntese e reflexão. Como você diz, entrar nesse movimento pelas raízes; cultivar, valorizar e revelar para o Brasil e para o mundo, o que os povos tem a nos ensinar com tanta sabedoria, beleza, valor humano  e profundidade.

Qual a grande proposta das Danças Circulares para as transformações que o mundo urge na atualidade?

Solano: Entendo que a  dança tem esse potencial de lançar no inconsciente coletivo a benção do céu, uma quantidade incrível de qualidades positivas. Se isso for feito conscientemente – unir Céu e Terra, ou seja, se  engajar em questões sociais, culturais, ambientais e ao mesmo tempo canalizar  bênçãos para essas questões, torna-se um grande poder transformador. Se avançarmos, na relação com a dança, do bem-estar individual para o bem-estar planetário, esse deslocamento será importantíssimo para o planeta neste momento. Para isso, as pessoas tem que estar dispostas; nem todos que dançam, tem essa vontade e essa percepção. Quem  está aberto deve tomar a iniciativa para o despertar coletivo sobre a urgência de atuar na presente crise planetária.

A campanha pelas árvores tem o propósito de focar o positivo; sabemos das atrocidades contra a natureza – os desmatamentos terríveis, a hidrelétrica  de Belo Monte, etc, mas não colocamos isso no site. Concluímos que no momento, o que temos a fazer é comunicar e estimular o positivo; o cuidado com o ambiente, dando força às boas notícias e ações nessa direção. Dançar tudo isso ajuda muito, porque eleva a qualidade ambiental de imediato e nesse padrão, muitas situações graves podem ser contornadas.

Espero que o “Dançando pelas Árvores”, some forças, espalhe sementes e gere respostas positivas que frutifiquem nos próximos meses, pois não temos mais tanto tempo para agir.

O que devem fazer as pessoas e grupos que se sentirem chamados, a tornar essa roda gigante e transformadora?

Solano: Temos um espaço de comunicação que é o site da campanha das árvores (www.ummilhaodearvores.org.br), por meio do qual acompanhamos o que está acontecendo.  É interessante divulgar todas as ações promovidas durante a primeira quinzena de Outubro/2011. É preciso que a rede de Danças Circulares se una. No momento em que a rede mundial de danças tiver trabalhando a favor da vida conscientemente isso vai pesar imensamente a favor do bem.

0 Comentários
Compartilhar
Sem Comentários

Comentar