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O VÔO DO BEIJA-FLOR NA ÁRVORE DA VIDA

Out 01 2017

O VÔO DO BEIJA-FLOR NA ÁRVORE DA VIDA

 …Acontece quando o imaginário presente no cotidiano da vida nas comunidades tradicionais dos povos é experimentado com olhos de ver.

Na Amazônia paraense, Abaetetuba/PA, há literalmente uma fábrica de brinquedos; uns em forma de miriti, outros na forma de sentidos – das coisas, das relações, do ambiente, das tradições. É a terra dos Brinquedos de Miriti que colorem e encantam as ruas de Belém, no Círio de Nazaré no mês de Outubro.

Justo no Dia das Crianças, justo na quadra Nazarena, o Sagrado Feminino e a Criança Divina estão ali vivos, presentes no cotidiano da família do Seu Raimundo, ironicamente conhecido como “Diabinho” e Dona Neide, são mestres na arte de fazer esses brinquedos. Eles e mais quatro filhos, netos, bisnetos e alguns vizinhos têm conseguido manter vivo um microbioma escondido no Centro de Abaetetuba. Um brejo onde a matriarca, D.Neide, bisneta de índios, passa o dia em meio a árvores, plantas, frutos, flores, bichos e encantados.

 …Acontece quando o imaginário presente no cotidiano da vida nas comunidades tradicionais dos povos é experimentado com olhos de ver.

Na Amazônia paraense, Abaetetuba/PA, há literalmente uma fábrica de brinquedos; uns em forma de miriti, outros na forma de sentidos – das coisas, das relações, do ambiente, das tradições. É a terra dos Brinquedos de Miriti que colorem e encantam as ruas de Belém, no Círio de Nazaré no mês de Outubro.

Justo no Dia das Crianças, justo na quadra Nazarena, o Sagrado Feminino e a Criança Divina estão ali vivos, presentes no cotidiano da família do Seu Raimundo, ironicamente conhecido como “Diabinho” e Dona Neide, são mestres na arte de fazer esses brinquedos. Eles e mais quatro filhos, netos, bisnetos e alguns vizinhos têm conseguido manter vivo um microbioma escondido no Centro de Abaetetuba. Um brejo onde a matriarca, D.Neide, bisneta de índios, passa o dia em meio a árvores, plantas, frutos, flores, bichos e encantados.

Ali, enquanto prepara a comida no seu inseparável fogão à lenha, um acompanhamento indispensável nas refeições, também já está no ponto para ser batido na máquina, o açaí; a rede sempre armada para um descanso casual ou para acolher quem chega e a matéria-prima do miriti à vontade, para dar asas à imaginação da família Peixoto a qualquer hora. Ao lado de todas essas tecnologias de Comunic-Ação Criativa, está a televisão. Em um canto bem acima da visão horizontal, com imagens ainda em transmissão analógica, chuvisca e sai do ar literalmente, parece programada para dar um tempo e voltar atenção à vasta vida que acontece fora da telinha. Logo cai uma generosa chuva aguando toda a natureza diversa ao redor e as imagens da televisão que há pouco projetavam a agonia das dores do parto de um mundo em transformação e renascimento.

A prova disso, acontece todos dias dentro daquele pequeno e curioso brejo. As saracuras passam correndo em cantoria e chama para baixar os olhos da Tv; o vento no aningal ao lado, renova os pensamentos, com um zoom um pouco mais para fora alcança-se um ninho de beija-flor. Impossível resistir sem querer ver isso de perto e com deslumbrante surpresa, encontrar dois deles dentro e quase prontos para voar. Que arquitetura! Como é possível construir uma casa(ninho) com tanta delicadeza e segurança, pendurada na “palma da mão” de um coqueiro.

Esta novela eu quis acompanhar, enquanto lá estive; eis que logo no segundo capítulo, cedo da manhã, um já havia batido asas e o outro parecia estar me aguardando para testemunhar como se acorda para a vida com autoconfiança e agilidade, quando se reconhece pronto. Repentinamente aquele ser miúdo e veloz dá uma arrancada do ninho e sai voando para sentir e experimentar o mundo a partir de suas próprias asas e inconfundível bico com o qual corteja a flor. Nada possível de capturar com uma simples câmera fotográfica; há que se contemplar o desenrolar dessa novela e respirar cada movimento, para sentir com os olhos-de-ver – o coração, a alma-colibri.

O Colibri, uma espécie de beija-flor, aparece no livro Tupã Tenondé de Kaka Werá Jecupé como “a grande expressão do sagrado; o que vê a totalidade a partir dos mundos sutis do espírito; um mensageiro divino quando quer transmitir uma orientação espiritual importante ou sinal de proteção, de presença, de indício de caminho correto. Cada ser humano tem sua alma-colibri que habita na morada do coração, território de Tupã . Quando a alma-colibri eleva-se ao apyte, a flor sagrada que habita um palmo acima da cabeça humana – espaço de Jakaira Ru Ete – inspira e transmite sabedoria profunda”. Neste autêntico laboratório de comunicação criativa podemos verificar que há uma profunda verdade nos fundamentos Guarani e povos indígenas em geral.

As experiências nesse laboratório não param por aí. Eis que se descobre na cobertura do brejo uma palmeira conhecida como palheira (manicaria saccifera gaertn), de onde sai a fibra do tururi , um tipo de saco vegetal, com o qual se produz artesanatos diversos, inclusive acessórios e vestuário; e dentro do tururi nasce o buçu ou ubuçu (Manicaria saccifera), um fruto que possui uma água medicinal, muito usada pela comunidade para harmonizar o sistema gastro-

intestinal. Logo entra em cena o cipó de alho (Mansoa alliacea) e o limão-caiena (Averrhoa bilimbi), tirados do pé, para fazer a salada da hora, um luxo só!

A mitologia explica muito dessa vida criativa e abundante. O Mito de Uaraci, narra a vida de uma bela e sábia índia, conhecedora das plantas e apaixonada pelos rios amazônicos. Ela morre jovem, apaixonada pela Lua e por isso, enterrada às margens de um curso d’agua, onde um dia nasce uma palmeira desconhecida da tribo. Em sonho seu pai é informado por Uaraci que ela se transformou em uma árvore para garantir a sobrevivência do seu povo. Então essa árvore passa a ser honrada como a Palmeira-Mãe.

O miritizeiro ou buritizeiro (Mauritia flexuosa), não dá apenas um fruto comestível; em Abaetetuba/PA é aproveitado integralmente. Da fibra leve, conhecida como isopor da Amazônia são produzidos brinquedos de miriti há mais de 200 anos; com a palha cobrem casas; com o fruto vinho e doces; com a tala cestaria como o Aricá; com as folhas, a envira, uma espécie de corda para diversos artesanatos e usos domésticos; com as flores perfumosas, licor e com o tronco, podendo chegar a 35 metros, se faz canoas, brinquedos e esculturas. Ou seja, uma representação

Representação da Árvore da Vida enormíssima ( como falam os mais antigos se referindo a algo grande) do arquétipo da Mãe, daí ser conhecida como a “Palmeira-Mãe” e associada à “Árvore da Vida”, símbolo sagrado da criação, fertilidade e imortalidade em diversas tradições

Nestes dias de Outubro em que não só a Amazônia, mas o Brasil honra o arquétipo da Mãe, o Sagrado Feminino, por meio de N.Sras. de Nazaré e Aparecida e celebra-se a Criança fica o convite para estes laboratórios. Nossas experiências culturais; nosso ativismo ambiental-social-espiritual pode ganhar asas, para além das passeatas, palavras de ordem ou gritos de guerra; podem nos encorajar a experimentar de vez em quando, o que há fora dos grandes centros urbanos, fora do limite das paredes de nossas cômodas casas, ou de nossas restritas telas planas de tv ou celular. Se o humano é capaz de criar uma andorinha de brinquedo que se sustenta no ar só pelo bico, por que não podemos manifestar esse mágico equilíbrio entre o criativo e o racional?

Neste Outubro, amanhã a lua é Nova, aquela que “renova a nossa face”, segundo os Guarani; sinta-se convidada-o a aproveitar este tempo, para revisitar e renovar suas relações entre o brincar, o pensar, o imaginar e o ser. Faces da Mãe, do Pai e da Criança que dançam juntos, alegremente reunidos na Árvore da Vida

No próximo Laboratório cAc vamos dar uma espiada (olhada) nessa Dança!

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