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POR UM COMPUTADOR CAIPIRA

Out 09 2013

POR UM COMPUTADOR CAIPIRA

O que é o que é? Que informa e forma; que ensina e não cansa; que conecta e une de verdade?

É o “computador caipira” do Museu do Marajó em Cachoeira do Arari. um dos dezesseis municípios do maior arquipélago fluvio-marítimo do planeta – o Marajó, no Estado do Pará.

Neste museu, está uma, ou melhor, várias engenhocas criadas pelo visionário ex-padre, Giovanni Gallo, para revolver nossas memórias, refrescar nossas idéias e movimentar nossos corpos e almas, ao interagir com uma tecnologia de comunicação, completamente alinhada com as capacidades, inteligências e ritmos humanos naturais.

A idéia foi concebida em 1972 e hoje é uma referência sobre a cultura marajoara e uma inovadora ferramenta pedagógica, para colaborar com a afirmação das identidades dos povos, a preservação de valores e a expansão da criatividade e das relações humanas, que em plena era digital, está em absoluta crise.

Trata-se de um museu totalmente orgânico e interativo, que revela um compromisso, não necessariamente com os resultados sociais, mas com a humanidade que está em cada pessoa. Pude constatar os resultados deste trabalho, sobretudo para a comunidade local, recentemente, nas festividades da Semana da Pátria em Cachoeira, quando uma das escolas desfilou com o tema “Cromoterapia: O Bem[1]estar Através das Cores”. Para mim, uma inesperada e grata surpresa. Fiquei tentando entender por onde teria chegado esse tema, já que estamos falando de um lugar com pouquíssimo acesso à internet; de um tema que não consta dos currículos regulares das escolas de educação formal e de um assunto que não interessa comumente às pautas dos meios de comunicação de massa, inclusive nas grandes capitais brasileiras. Descobri uma das influências para esta abordagem, conectada aos computadores caipiras de Gallo. Numa das mais de vinte seções temáticas do Museu do Marajó encontra[1]se: “Medicina Rústica – Medicina da Terra – Medicina Alternativa”, além de outras como, A fala tupi; Os motivos ornamentais da cerâmica marajoara; O glossário do vaqueiro; As lendas amazônicas; A Culinária marajoara; As embarcações, A identidade dos pássaros e até a Lua do caboclo. Que sentimento de dever cumprido teria compensado esse italiano, naturalizado brasileiro e falecido em 2003, ao ver aquele desfile.

Um acontecimento aparentemente insignificante, sem cobertura da imprensa, sem ser considerado para os indicadores do Indice de Desenvolvimento Humano – IDH, mas na prática mostra que os computadores caipiras estão sim, fazendo toda a diferença nessa comunidade e além, pois é fonte de pesquisa, de educação e inspiração local, nacional e internacional, nestes seus 41 anos de existência. Além da Cromoterapia, esta seção reconhece como medicina, a Homeopatia, a Acupuntura, a Dança, a Música, a Yoga e claro, o poder das ervas, dos banhos, da terra, da alimentação, das rezas, das crenças e das lendas, que os mais velhos ainda sabem e praticam com mestria nesta região e na Amazônia, como um todo, apesar dos pesares que literalmente pesam, sobre as culturas tradicionais. Na condição de aprendiz das linguagens humanas/artísticas da tradição como meios de comunicação, fiquei imaginando que experiências como as do Museu do Marajó, poderiam ser incluídas como disciplinas vivenciais,não só para estudantes de Comunicação Social, mas também de Medicina, Arquitetura, Engenharia e diversas áreas do conhecimento que este museu consegue envolver dialogicamente. Em se tratando de informação e comunicação, é como estar numa roda de danças circulares por exemplo, na qual recebemos informações por meio das pessoas, da música, do ritmo, do movimento e simultaneamente, levamos ao grupo nossas informações individuais, tais como nossos potenciais, valores, talentos e também dificuldades, simplesmente dançando, cantando ou tocando e então não só emitimos e recebemos informações, mas de fato nos comunicamos. Para utilizar os computadores caipiras é assim também, de algum jeito tem que “dançar”. Logo de cara a gente acaba se vendo, mesmo sem querer; encontramos no início da exposição a peça mais antiga um fóssil com 190 milhões de anos e então somos provocados a abrir uma caixa para descobrir a peça mais nova, adivinha qual é?. Depois, para ler, tem que abrir; para pesquisar tem que tocar; girar, esticar e até pescar; para “curtir”? só experimentando, sentindo, recordando, exatamente como diz a origem desta palavra – lembrando com o coração. Todos os símbolos, ícones e imagens desse computador nos remetem a nossa memória ancestral, a nossas múltiplas inteligências que estão vivas, embora quase sempre adormecidas. O acervo permanente também inclui a área externa, onde está o Marajó em miniatura, com um jardim botânico, devidamente identificado pelo Instituto Brasileiro de Florestas – IBDF

Há que se ter tempo e presença, para conhecer este museu, para saborear e digerir as informações ; para que a inflexão, fruto da ansiedade cultural e da aceleração que o “computador urbano” nos impõe e condiciona, dê lugar à reflexão sobre o sentido do nosso fazer e do nosso viver. Precisamos confiar e exercitar a pausa, mediadora invisível de conexões verdadeiras e criativas; jogar a rede, como uma metáfora de nossas intenções mais sinceras para pescar o que de fato nos interessa e assim deixar que o peixe saudável e nutritivo venha a nós, sem resistência e naturalmente, como resultado de um trabalho interno focado, silencioso e paciente, como pede uma boa pescaria. Talvez precisemos de vez em quando entrar numa “Corrente de Fundo”, como entendem os marajoara, quando as pessoas desaparecem e ficam por um tempo no fundo das águas, participando ativamente das festas dos encantados e retornam diferentes; parece que renovados, relacionando-se com o mundo de um jeito diferente, curiosamente encantador…

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